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A sociedade é construída pelos atos humanos e estes atos têm sido direcionados para o imediatismo, para a rapidez e para o consumo. A percepção de mundo, do outro e principalmente sobre si tem sido encoberto por valores do TER. A consequência é que não temos tempo para a compreensão. Tudo tem que ser rapidamente explicado para dar tempo de realizar outras tarefas. Se não tem tempo para si não há tempo para mudar paradigmas, para revisão de conceitos, de metodologias. Fica fácil qualquer pessoa falar sobre qualquer fenômeno porque a profundidade, a contextualização e o hologramático não são mais solicitados. Quando se trata de qualquer questão humana é preciso ter tempo para compreender, contextualizar, criar e propor.

As escolas oficiais não cuidam dos autistas, elas apenas os recebem, exigem mediadores e continuam a saga da educação bancária que não atende nem a população regular (como se fossemos todos iguais!) e muito menos os autistas, estes seres incógnitos.

No dia 29 de abril na FAECAD participei de um evento chamado: “Autismo e Políticas Públicas” e neste evento a grande questão levantada e significativa foi a perda de possibilidades no atendimento educacional e cientifico do Brasil. A Escola de Autistas do Rio de Janeiro foi a protagonista de pesquisas científicas junto a “University of Missouri”, com o pesquisador Davi Beversdorf e CEPTESE – Centro de Estudos e Pesquisas Transdisciplinares onde tenho a honra de participar.

As várias famílias que a Escola de Autista recebe chegam com diversas queixas: não aceitação do filho, indicação para outra escola, exigências além da mensalidade como o pagamento de um mediador. Neste caso, a criança fica cerceada por este mediador enquanto o professor fica com o grupamento “oficial”, horários reduzidos. Todos estes argumentos marcam o quanto não estamos disponíveis a dialogar com o outro, o autista, que se manifesta de formas diversas.

Quando falamos do humano estamos entrando no campo da aprendizagem e concomitantemente no campo do desenvolvimento. Estamos propondo falar de vínculos subjetivos onde a família é o primeiro espaço e a escola o segundo núcleo organizador. O fato de inicialmente a criança autista parecer ausente do espaço-tempo e dos adultos não terem tempo para observar os fatos, o autista acaba rotulado a partir de percepções limitadas. Se analisarmos os documentos brasileiros estamos apresentando apenas a visão americana voltada a mudanças comportamentais controloadas e condicionadas. Há ausencia de estudos franceses que permitem um olhar mais denso, mais complexo e voltado a compreensão do autista e de suas familias de forma contextualizada.

Muitas das vezes uma percepção distorcida do real potencial do autista é perpetuado ao longo da vida. Lembrando Ferenczi:“Estar com o outro é uma arte a ser cultivada”. Para estar com autistas é preciso antes de qualquer informação estar disponível a quebrar seus próprios paradigmas apropriados ao longo de nossa convivência neste contexto insano que estamos vivendo.

Então, nesta coluna gostaria de sinalizar que há uma população a ser compreendida, muito mais do que explicada. O modelo cartesiano explica, o modelo holístico compreende. Há um grupo de pessoas que anseiam o contato visual, que anseiam o contato do abraço, que possuem habilidades cognitivas, afetivas e relacionais a serem exploradas, se tivermos tempo!

Na lei 1631/11 há enormes fossos entre o concreto e a realidade destas famílias. Um projeto de lei analisado sem ter sido discutido com profissionais que no cotidiano desenvolvem ações com os autistas é um projeto que não considera as diversas dimensões dos autistas principalmente as sociais e as psicoafetivas.

A história do autismo foi sempre desenhada na busca incessante por dados organicistas. Felizmente a história mostrou que este olhar reducionista não nos levou a avançar. Qualquer fenômeno precisa ser analisado no hologramático para ter consistência. Somos complexidade, mas para compreender o sentido contextualizado é preciso saber olhar, saber escutar, saber sentir para a compreensão do todo.

A dimensão psicoafetiva foi reduzida a um número de sintomas desconectados do contexto familiar e neste relacional a mãe é exaltada sem as devidas reconfigurações necessárias para lidar com um filho que inicialmente a ignora. Além da mãe, há um pai, há avós e tios e há um desconhecimento geral de como as relações familiares ampliam ou bloqueiam o potencial de um ser como o autista.

O aspecto social impõe uma cidadania que não é construída pois o trabalho com o autista deve ser preventivo e monitorado de forma que a identidade vocacional possa emergir de um sujeito que pensa, sente e fala. Focamos o autista, e sua família? Sem a autorização para o filho se diferenciar dos pais não há construção de identidade. Mas para a família visualizar esta possibilidade há um longo processo a ser conquistado. Como a família sobrevive? Qual a ajuda para manter os atendimentos particulares tendo em vista que a rede pública continua patologizando, fragmentando e priorizando a medicação? Será que a família não tem direito de escolher o tratamento para seu filho? Se há informação disponível todo cidadão deixa de ser objeto e passa a ser sujeito e aprende a manejar recursos para as opções disponíveis.

Me parece um contexto insano falarmos de uma categoria de forma limitada e limitante, os autistas,falarmos de intervenções multidisciplinares numa era transdisciplinar, tratarmos o sofrimento psíquico num reducionismo dogmático quando este é complexo e exige múltiplas possibilidades de encontro, aceitamos um único livro que patologiza e direciona ao orgânico. O DSM há anos apresenta uma lista de sintomas desconectados que direcionam a uma lista interminável de fragmentações que desemboca na medicalização do autista. Autismo não é condição patológica para medicação. Este só vai existir quando outros aspectos são agregados exatamente por vivermos em um contexto insano, incapaz de ouvir as necessidades humanas.

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